
O Brasil é um dos maiores produtores de rã do mundo, atrás apenas de Taiwan e Indonésia. Um dos grandes problemas para a ranicultura é o consumo exclusivo de pernas como alimento, por serem consideradas produtos nobres, ou seja, cerca de 70% da carcaça do animal e vísceras são subprodutos de baixo ou nenhum aproveitamento, fato que resulta em uma alta taxa de desperdício de carne.
Na Agenda 2030, a Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável estabeleceu, como um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), reduzir pela metade o desperdício de alimentos per capita mundial, nos níveis de varejo e do consumidor. Para contribuir com essa diretriz, uma pesquisa desenvolvida pela Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Federal Fluminense (MGV/UFF) aproveita o dorso e fígado da rã para produzir um produto alimentício na forma de patê, visando à redução do desperdício da parte superior do animal.
Segundo o pesquisador líder do projeto, professor Luiz Rogério Gonçalves, o objetivo é trabalhar por meio de diferentes linhas de pesquisa. “A primeira linha do trabalho é o combate ao desperdício utilizando o patê, algo que está na prioridade da Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA). A segunda é transformar os alimentos em indutores de saúde, através da utilização de açafrão e pimenta-do-reino, que são anti-inflamatórios, aproveitando-se também para cumprir o objetivo da terceira linha de pesquisa, que visa à utilização de produtos naturais. Por fim, a última vertente do projeto é testar quais são as melhores proporções entre fígado e carne de rã no desenvolvimento do patê”.
Produção do patê de rã
Para a criação do patê foram utilizados ingredientes chamados nutracêuticos – substâncias alimentícias que oferecem benefícios para a saúde, como a prevenção e o tratamento de doenças. No projeto, o desenvolvimento do alimento envolve o uso de curcumina e piperina, comumente chamados de açafrão e pimenta-do-reino, pois são poderosos anti-inflamatórios. “Esses produtos geram uma atividade bioquímica favorável por conta de aspectos anti-inflamatórios, antioxidantes e anti-carcinogênicos. Além disso, evitam a oxidação do alimento, ou seja, possuem uma atividade trivalente, em ações antioxidantes, estabilizantes e indutoras de saúde”, afirma o docente.
Gonçalves explica que, após vários testes de proporção, o estudo chegou à medida ideal de 80% para a fabricação do produto. “Testamos várias proporções, ou seja, 20%, 30%, 40% e 50% de carne de rã no patê. Esse teste é importante por conta do conceito de sustentabilidade, já que o trabalho é desenvolvido com partes desperdiçadas da rã. Então, pensando no aproveitamento da carne do animal, a melhor opção é utilizar a proporção de 80% de carne e 20% de fígado, pois tende a trazer mais benefícios pelo uso de ingredientes naturais indutores de saúde, que não alteram a percepção do consumidor sobre a comida”.
No desenvolvimento do patê foi utilizada a técnica da Carne mecanicamente separada (CMS), que resulta do aproveitamento através da separação mecânica de pequenas porções de carne que ficam aderidas aos ossos após a desossa normal e facilita a criação de alimentos com alto valor nutricional. Em uma larga escala, uma tonelada de carne de peitoral e fígado pode resultar em uma produção média de 820 kg do patê.
Contornando o desperdício
De acordo com dados divulgados no último relatório O Estado da Segurança Alimentar e da Nutrição no Mundo (SOFI) realizado por cinco agências especializadas das Nações Unidas em evento do G20, cerca de 733 milhões de pessoas passaram fome em 2023, o que significa que o mundo retrocedeu 15 anos e apresentou dados comparáveis a 2009. Para reduzir esse problema, o patê de rã desponta como uma opção nutritiva com produtos naturais, que evitam o desperdício de carne do anfíbio.
Segundo o docente da UFF, o desperdício do dorso da rã é um problema que ocorre em todos os países produtores do animal. “O Brasil é um grande produtor de rã em cativeiro e, assim como outros países fortes na ranicultura, passa pelo problema de jogar fora grande parte da carne do animal, o que causa um impacto grande na indústria local e mundial. Com o projeto, invertemos o quadro de desperdício e aproveitamos 70% do animal, número que não passava de 30% anteriormente. Agora, com a inversão, a indústria gera menos desperdício e passa a ofertar um novo produto, consequentemente, causa um aumento no faturamento”.
Parceria internacional
O projeto de pesquisa foi apresentado em um balcão na Universidade de Udine (UNIUD), na Itália, e recebeu indicações positivas dos italianos. Como resultado, Gonçalves e professores do laboratório do Departamento de Ciências Agroalimentares da UNIUD estruturaram um acordo de cooperação entre a instituição italiana e a UFF para o desenvolvimento de uma tese conjunta centrada na pesquisa sobre o patê de rã.

“Iniciei o projeto em 2019 com a professora Eliana Mesquita e sabíamos que a etapa final da pesquisa seria complexa porque o objetivo era elaborar um produto para a indústria de alimentos, que na Europa é muito desenvolvida. A pesquisa de análise sensorial europeia é considerada uma das mais avançadas do mundo e foi muito importante para o desenvolvimento da nossa pesquisa. Ao me candidatar para o doutorado sanduíche na universidade italiana, os professores ficaram encantados com o projeto e enxergaram um grande potencial”, destaca Gonçalves, que trabalhou 18 meses na pesquisa, orientado pelo diretor do Departamento de Ciências Agroalimentares da UNIUD.
Com a pesquisa concluída, o próximo passo do projeto será testar o patê em larga escala industrial, com o objetivo de posicionar o alimento como uma alternativa sustentável e nutritiva para o consumo humano.
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Luiz Rogério Gonçalves é zootecnista formado pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Possui mestrado em Produção animal pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), Doutorado em Higiene Veterinária e Processamento Tecnológico de Produtos de Origem Animal Universidade Federal Fluminense (UFF) e PhD em Tecnologia de Alimentos pela Universidade de Udine da Itália (UNIUD) e UFF.
Eliana de Fátima Mesquita é professora titular do Departamento de Tecnologia dos Alimentos da Universidade Federal Fluminense (MTA/UFF). Possui graduação em Medicina Veterinária pela UFF, Mestrado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Doutorado em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo (USP).
Por Kayky Resende
Publicado em: https://www.uff.br/24-09-2024/pate-de-carne-de-ra-evita-desperdicios-de-alimento-com-carcaca-do-animal/